O esporte infantil pede apoio, não cobrança: por que a postura dos pais pode decidir entre prazer ou abandono. Recentemente, a decisão da Federação Paulista de Futebol de fechar os portões de 144 jogos das categorias Sub-11 e Sub-12, impedindo a entrada dos pais, repercutiu em todo o Brasil. A medida, parte da campanha “Pais de Castigo”, não busca apenas punir, mas chamar atenção para um problema sério: o comportamento inadequado de alguns adultos nas arquibancadas, que muitas vezes mais atrapalha do que ajuda no desenvolvimento dos jovens atletas.
Quando o apoio vira pressão
O esporte para crianças e adolescentes deve ser espaço de lazer, aprendizado e crescimento. No entanto, atitudes como cobranças excessivas, críticas constantes e comparações podem gerar ansiedade, medo de errar e até a perda do prazer de jogar. Em muitos casos, o atleta não joga para se divertir, mas para agradar os pais. Pesquisas mostram que quase metade das crianças em escolinhas sente essa pressão, enquanto muitos pais depositam expectativas de profissionalização que nem sempre correspondem ao desejo dos filhos.
O que vejo no dia a dia
Trabalho há 26 anos dentro de escolas e eventos esportivos e posso afirmar: esse problema não é novo. Vejo constantemente, em escolinhas e jogos de fim de semana, situações em que os pais – que deveriam ser exemplo – acabam dando o pior modelo de comportamento. São os adultos da relação, mas muitas vezes são eles que xingam árbitros, professores, alunos e até familiares de outras equipes.
Isso me preocupa profundamente, porque a criança aprende mais pelo exemplo do que pelo discurso. Quando o esporte deveria ser espaço de lazer, socialização e aprendizado, torna-se palco de hostilidade e cobrança desnecessária.
A fase de ouro da aprendizagem
Os especialistas em educação e desenvolvimento motor chamam a infância até os 10 anos de “fase de ouro da aprendizagem”. É nesse período que valores, atitudes e comportamentos são absorvidos de forma mais intensa e duradoura. Tudo o que é plantado nessa fase gera frutos para toda a vida.
Por isso, é essencial que pais e responsáveis se vejam como semeadores. Ao invés de depositar pressão, precisamos cultivar valores positivos, empatia, cuidado, respeito e postura ética. Uma palavra de incentivo, uma demonstração de paciência ou um gesto de apoio pode marcar a criança muito mais do que uma cobrança por vitória. Esses frutos não ficam apenas para o presente: eles irão florescer e se espalhar nas próximas gerações, ajudando a formar cidadãos mais equilibrados, respeitosos e humanos.
O olhar da Psicologia do Esporte
A Psicologia do Esporte reforça esse entendimento: o papel ideal dos pais é de apoio emocional, não de cobrança.
– Apoio, não pressão: acolher derrotas, celebrar conquistas e motivar sem invadir o espaço do filho.
– Respeito ao papel: pais devem ser pais – não técnicos, empresários ou torcedores exaltados.
– Valorização do processo: o mais importante é a experiência, não apenas o resultado.
Quando o exemplo esperado dos adultos dá lugar à pressão e hostilidade nas arquibancadas
O esporte é uma poderosa ferramenta de formação cidadã, mas só cumpre seu papel quando existe um ambiente saudável em torno dele. A medida da FPF é um alerta: os filhos precisam de pais presentes, mas na condição de torcedores equilibrados e incentivadores, não de fiscais ou carrascos.
A infância é terreno fértil. Se quisermos colher gerações mais empáticas, solidárias e responsáveis, precisamos hoje, como pais e educadores, semear bons valores. Afinal, o verdadeiro título não está no placar, mas no crescimento feliz e saudável de cada jovem atleta – e no legado que deixamos para o futuro.
*Junior Damiani é educador físico, fundador da VOM (Viva o Movimento) e professor do Colégio Dom Feliciano.
