A força de escolher cuidar

 

O Dia das Crianças se aproxima e, com ele, as festas, as campanhas solidárias e os gestos de caridade. Tudo isso é importante – mas será que basta? Em um país onde milhares de crianças e adolescentes vivem afastados de suas famílias por motivos diversos, a reflexão precisa ir além das comemorações. Não se trata apenas de doar brinquedos ou participar de uma ação pontual, mas de compreender o que realmente significa oferecer cuidado, vínculo e responsabilidade.

Para fazer mais, é preciso primeiro compreender as diferenças entre as formas possíveis de convivência familiar e comunitária. Saber distinguir cada uma delas evita atravessamentos e garante que a criança seja sempre o centro da decisão. Se o desejo é ter um filho, o caminho é a adoção. O apadrinhamento afetivo e o acolhimento familiar são experiências igualmente valiosas, mas com propósitos distintos: não substituem a adoção nem criam vínculos parentais definitivos.

A adoção é um ato jurídico e afetivo que transforma a vida da criança e também do adulto que se torna pai ou mãe. É um compromisso para sempre, regido por lei e acompanhado por equipes técnicas. Já o apadrinhamento afetivo é uma forma de convivência voluntária, voltada a crianças e adolescentes acolhidos que não têm, no momento, perspectiva de retorno à família de origem ou de adoção. O padrinho ou madrinha oferece vínculo, convivência e apoio, ampliando a rede de afeto da criança. O serviço de família acolhedora, por sua vez, tem caráter temporário: famílias habilitadas recebem em seus lares, por um período determinado, crianças afastadas judicialmente de seus lares, até que possam retornar à família de origem ou seguir para adoção.

Em todas essas formas, há um ponto em comum: a responsabilidade afetiva. Quando uma criança não tem uma família para onde ir ou precisa viver em acolhimento, ela não está à espera de caridade nem para suprir expectativas adultas. Ela precisa de estabilidade, respeito e amor comprometido. Cuidar é um gesto profundo – e exige preparo, consciência e disponibilidade emocional.

Segundo o Conselho Nacional de Justiça, mais de 35 mil crianças e adolescentes vivem atualmente em serviços de acolhimento no Brasil, e cerca de 5,5 mil estão juridicamente aptos à adoção. A maioria já passou da primeira infância, muitos têm irmãos ou alguma condição de saúde. Diante disso, adotar, apadrinhar ou acolher é também um exercício de rever nossos preconceitos, idealizações e a forma como olhamos para a infância.

Ser família por adoção, trabalhar com acolhimento familiar (sim, é um trabalho, com obrigações) ou ser padrinho afetivo é aceitar renúncias. Significa abrir mão de idealizações, de imaginar uma criança “sob medida”, de querer que ela se molde ao adulto ou, pior ainda, que seja grata. A responsabilidade afetiva exige, de todos os lados, presença e constância: a criança jamais pode estar à disposição de um capricho.

Para quem deseja trilhar esse caminho, é importante saber por onde começar:

– A adoção é buscada pela via judicial, por meio da habilitação junto à Vara da Infância e Juventude e do pré-cadastro no SNA (https://sna.cnj.jus.br/home)

– O apadrinhamento afetivo é voltado a adolescentes e deve ser acessado pelos programas existentes em cada município, com inscrição e preparação dos voluntários, como a Elo (www.eloadocao.org.br)

– Família Acolhedora é um trabalho que funciona através de programas municipais, que selecionam, formam e acompanham famílias dispostas a receber temporariamente crianças e adolescentes. (Em Gravataí, inscrição neste link. Informações pelo telefone (51) 3600-7679 ou pelo e-mail smfcas.familiaacolhedora@gravatai.rs.gov.br)

Mais do que um gesto de generosidade, cuidar de uma criança é um compromisso ético e humano. E para quem coloca o bem-estar da criança acima de tudo, não há data específica para celebrar. Porque, para quem prioriza a infância, todos os dias são Dia das Crianças.

*Peterson Rodrigues dos Santos é assistente social, pai por adoção, perito judicial, presidente da Elo Organização de Apoio a Adoção e Assistência Social, diretor de Relações Públicas da Associação Nacional dos Grupos de Apoio à Adoção (ANGAAD) e membro do Movimento Nacional Pró Convivência Familiar e Comunitária.

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