O ordenamento jurídico brasileiro através da Constituição de 1988 consagra como dever do Estado, da família e da sociedade a proteção à infância e à adolescência, insculpida no artigo 227 da Carta Magna. E através da Convenção sobre os Direitos da Criança adotada em 1989 pela Assembleia Geral da ONU e ratificada pelo Brasil em 1990 se instrumentaliza e orienta a reformulação normativa do País, cujo objetivo foi perceber a criança e adolescente como sujeito de direito detentor de garantias pelo Estado.
No Brasil, a Lei 8.069/1990 instituiu o ECA (Estatuto da Criança e Adolescente), o qual passou a estruturar um sistema normativo amplo com finalidade de assegurar direitos fundamentais, instrumentalizar mecanismos de prevenção e repressão à violência e estabelecer medidas de proteção, além de criar deveres do Estado e da sociedade nos cuidados da criança e adolescente.
Mas este movimento jurídico-social ganhou novos relevos ao longo dos anos, com importantes alterações e aperfeiçoamentos complementares que viabilizaram a operacionalização dos princípios previstos no ECA em áreas diversas, a exemplo da Lei n.º 12.010/09* e Lei n.º 13.509/17** trouxeram alterações importantes e unificaram a legislação sobre a adoção, introduzindo procedimentos mais claros e garantindo acompanhamento psicossocial durante o processo.
Outro marco importante surge em 2014 com o advento da Lei 13.010/2014, conhecida como a Lei Menino Bernardo, que reforça o direito das crianças e adolescentes já previstos no ECA, garantindo que sejam educados e cuidados sem o uso de castigos físicos ou submetidos a tratamento cruel ou degradante, o que se mostrou um avanço normativo destinado à prevenção das violências ocorridas no contexto doméstico, bem assim promovendo práticas educativas não violentas no âmbito das políticas públicas e institucionais.
Em 2022 a chamada Lei Henry Borel, instituída sob o nº 14.344/2022, traz novos mecanismos de proteção e enfrentamento da violência doméstica e familiar contra crianças e adolescentes, reforçando os princípios previstos no ECA e as medidas de proteção e enfrentamento da violência, principalmente no âmbito do direito penal, como por exemplo, a qualificação de homicídios cometidos contra menores de 14 anos, bem assim a previsão de pena de detenção para aquele que deixar de comunicar à autoridade pública a prática de violência, de tratamento cruel ou degradante ou de outras formas de violência, correção ou disciplina contra criança e adolescente. A Lei Henry Borel alterou o Código Penal, a Lei de Execução Penal, a Lei de Crimes Hediondos e o ECA, visando a criação de mecanismos para enfrentamento da violência.
Sem dúvidas, ao longo dos anos se percebe a necessidade de o ordenamento jurídico confrontar e atender às novas demandas sociais, através da constante atualização legislativa e criação e implementação de instrumentos de políticas públicas de conscientização e repressão à violência contra a criança e adolescente. Contudo, não basta o aumento do arcabouço jurídico, é preciso reforçar a cultura de não-violência por campanhas de conscientização, implementação da cultura nas escolas. Mais do que isso, é preciso que o Estado exerça a sua função máxima de proteção da criança e adolescente, com efetividade a todas as suas normas constitucionais e infraconstitucionais e garanta, assim, que a criança e adolescente possa ser livre para viver e brincar com dignidade.
Informações complementares
*Art. 1º Esta Lei dispõe sobre o aperfeiçoamento da sistemática prevista para garantia do direito à convivência familiar a todas as crianças e adolescentes, na forma prevista pela Lei no 8.069, de 13 de julho de 1990, Estatuto da Criança e do Adolescente.
**Art. 1º Esta Lei altera a Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990 (Estatuto da Criança e do Adolescente) , para dispor sobre entrega voluntária, destituição do poder familiar, acolhimento, apadrinhamento, guarda e adoção de crianças e adolescentes, a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), aprovada pelo Decreto-Lei nº 5.452, de 1º de maio de 1943, para estender garantias trabalhistas aos adotantes, e a Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002 (Código Civil) , para acrescentar nova possibilidade de destituição do poder familiar.
*Camila Sá Cardoso é advogada, pós-graduada em Direito do Trabalho, Processo do Trabalho e Direito Previdenciário. Ela também é sócia do escritório Cardoso & Rodrigues Sociedade de Advogados.
