Acompanho de perto os dois grupos folclóricos da Casa dos Açores do Estado do Rio Grande do Sul há mais de 15 anos. Minha falta de coordenação motora sempre me impediu de fazer parte do corpo de bailarinos, ainda que, com frequência, faltem peões para o bailado. Esse olhar dos bastidores me fez enxergar o folclore com outros olhos.
Nestes últimos meses, o grupo de dança DCG Província do Quero-Quero, ligado à Casa dos Açores, se prepara para uma turnê internacional. Sim, a cultura gaúcha do Sul do Brasil vai brilhar na Sérvia e talvez poucos saibam o que se esconde por trás desse feito: incontáveis horas de ensaio.
Neste caso específico, os encontros acontecem religiosamente às terças, sextas e domingos à noite. E a pergunta que me faço, observando tudo isso, é simples, mas profunda: num mundo em que o tempo é uma das maiores riquezas, o que move um grupo de pessoas a se reunir de forma absolutamente voluntária para repetir a mesma coreografia, de novo e de novo, sempre com um sorriso no rosto?
A repetição, para quem não dança, pode parecer monótona. Mas é justamente ela que molda um grupo folclórico com seus gestos milimétricos, seus giros sincronizados, a firmeza dos passos, a leveza dos sorrisos. A rotina dos ensaios é exaustiva, mas absolutamente fundamental.
Na Casa dos Açores, coexistem dois grupos distintos: o DCG Província do Quero-Quero, com repertório gaúcho, e o Rancho Folclórico, que preserva as tradições do bailado açoriano. Em comum, ambos são formados por voluntários de diferentes idades, profissões e experiências, que encaram o grupo como um hobby, embora com rigor quase profissional. Há regras, estudos, pesquisas, vestimentas detalhadamente pensadas e, claro, a repetição até a perfeição.
No Rio Grande do Sul, estima-se que existam mais de dois mil grupos folclóricos, a maioria dedicados à cultura gaúcha. Muitos deles participam de competições acirradas, o que exige ainda mais disciplina e preparo. O grupo da Casa dos Açores, por sua vez, já passou por esse circuito competitivo e hoje se dedica a apresentações artísticas em festivais não competitivos, no Brasil e no exterior.
Nesta reta final dos preparativos para essa turnê europeia, cada detalhe importa: a costura dos vestidos, os ensaios, a logística da viagem, a escolha das músicas, a maquiagem discreta, a padronização dos penteados. Tudo é feito com amor, zelo e dedicação extrema.
Mas, afinal, qual é a recompensa? O que essas pessoas ganham com isso?
Ganha-se o orgulho imensurável de representar Gravataí, o Rio Grande do Sul e o Brasil. Ganha-se o reconhecimento do público, os aplausos sinceros, o calor humano nos palcos do mundo. Ganha-se o privilégio de ser, mesmo que por alguns minutos, embaixador da nossa cultura. E isso, isso não tem preço.
*Amon da Costa é professor de História e escritor. Também integra a diretoria da Casa dos Açores, atua como pesquisador, colunista do Grupo Giro e apresentador do programa Giro Semanal.